domingo, 7 de novembro de 2010

Certamente um dos livros retirados da estante dos “Livros Que Você Procurou Durante Vários Anos Sem Ter Encontrado”


Incompletude. Talvez essa palavra possa dar conta do romance "Se um viajante numa noite de inverno, de Ítalo Calvino. Uma colagem de fragmentos aparentemente sem conexão revela uma história exterior. A impressão inicial compartilhada pelo leitor-personagem e pelo narratário (no caso, cada um de nós leitores) diante do texto é de frustração e ansiedade com a interrupção da narração de cada fragmento de um novo romance que (apenas) se inicia, pois “a narração, a ponte, não está terminada: sob cada palavra resta aberto o nada” (pág.80)


Uma das possíveis leituras a serem feitas do romance de Calvino é como um ensaio de crítica literária. Percebe-se isso, por exemplo, na leitura do primeiro dos fragmentos, que intitula ao livro - “se um viajante numa noite de inverno” - no qual o narrador atua como um diretor de cinema apontando as possibilidades dos acontecimentos a partir de ângulos diversos, ou ainda quando o narrador dirige a conversa entre o Leitor e a Leitora. É crítica literária também ao problematizar questões como editoração, plágio, tradução e censura.


O que mais salta aos olhos nesta obra, porém, é a apresentação dos diversos tipos de leitores e leituras representados em alguns dos personagens: o Leitor, na incessante busca da completude do romance; Ludmila, leitora da fruição, do encantamento, em um exercício lúdico que não pode ser contaminado por informações extra-textuais; Lotaria, que, contrastando com Ludmila, faz uma leitura quantitativa e analítica dos romances, utilizando os textos como pretextos par estudos acadêmicos e o surpreendente Inério, personagem que “aprendeu a não ler” e outros. Cabe a cada leitor exterior identificar-se com um ou vários desses tipos de leitores.


Observa-se também o trabalho de criação literária peculiar deste romance de Calvino, no qual reina a polifonia e a participação efetiva do leitor atuando como protagonista do romance. Porém, essa participação não é uma escolha do leitor, mas quase que uma ordem, na medida em que o narrador o caracteriza como personagem da história, atribuindo-lhe personalidade, sentimentos e hábitos de um modo que não lhe resta outra alternativa a não ser aceitá-los para que possa continuar a leitura. Assim, o Leitor, não representa um grupo de pessoas (no caso nós, leitores de Calvino), mas sim, cada um de nós individualmente.


Se fosse possível, certamente cada leitor do “se um viajante” tomaria para si um dos fragmentos com o qual mais se identificou para finalizá-lo tranquilamente. De preferência, sentado em uma confortável poltrona com os pés para cima. Pois, com certeza o livro “Se um viajante numa noite de inverno” faz parte dos “Livros Que De Repente Lhe Inspiram Uma Curiosidade Frenética e Não Claramente Justificada”.

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